“Dai a Cesar o que é de César…”


(Mt. 22:21, Mc. 12:17, Lc. 20:25)

A legalidade de algo, no Brasil, tem caráter extremamente duvidoso, e mutável. Como atribui-se a Pedro Malan, “até o passado é incerto”, no Brasil.

Na última semana vimos mais um desses julgamentos, no qual o nosso Supremo Federal, e suas sumidades (em tudo) tomam mais uma decisão casuística, sem levar em conta a legalidade das suas ações, mas o que consideram “tolerável” pelo Estado. Por 8 votos a favor e 3 contra, decidiram que, sim, é legal excluir da base de cálculo do ICMS os tributos federais PIS e Cofins. Ou seja, concluíram que o Estado cometeu uma ilegalidade contra as empresas, por anos, e que sim, é direito do contribuinte ser ressarcido dos valores destacados em Nota Fiscal, e não somente o que foi pago ao Estado (em linguagem mais plana – o que o contribuinte, de uma forma ou outra, já havia pago, na etapa anterior da cadeia produtiva, e não o que havia pago, como resultado de sua movimentação tributária).

Então, em termos leigos e claros, é a de que o contribuinte foi, de fato, tungado em até 1,665% de todo seu faturamento, desde “sempre” (18% sobre 9,25%, no máximo) A decisão então passou a ser “modulada”. De um lado, a amada Receita Federal argui que, ok, a decisão é a de que eles “roubaram” o contribuinte, mas pedia que fosse considerado “roubo” só daqui em diante.

O STF decide por um meio termo – a relatora, Carmen Lúcia, determina, e outros 7 colegas a acompanham, que “só é roubo de 15 de março de 2017 pra cá”, exceto quem foi fazer B.O. antes (entrou com ação). Os ministros talvez um pouco mais versados em matéria de direito tributário, Rosa Weber e Marco Aurélio, dizem claramente: “se é roubo, roubou-se desde sempre, e, portanto, restitua-se à vítima a totalidade do que foi subtraído”. Prevaleceu a “tese” de Carmem Lúcia, que transforma o ato em roubo de um ponto no tempo pra frente.

Juristas de bancas importantes consideram isso uma “vitória” do contribuinte, ou, no dizer de um deles, que “Dos males, a sensação é a de que o contribuinte ficou com o menor deles” (https://www.conjur.com.br/2021-mai-13/exclusao-icms-base-calculo-piscofins-vale-partir-2017).

Nós, mortais, olhamos para isso e nos perguntamos se existe um propósito em que nossa corte suprema, que deveria julgar tão somente casos em que a Constituição está em jogo, ou seja, onde há dúvidas sobre a mesma, e por que a Corte maior não simplesmente informou aos litigantes que “isso é com o STJ”…

Na raiz do problema está a definição de que: a)o estado não pode instituir um tributo que tenha por efeito anular, ou reduzir a riqueza do contribuinte; b)o estado não pode instituir um tributo que incida sobre a base de cálculo de outro tributo, pois isso, na verdade, acaba retornando ao que diz o item “a”. 

Mas é que no Brasil, os exemplos abundam, ficando apenas em dois, que rapidamente vêm à mente:

• O ICMS incide sobre sua própria base de cálculo, numa referência circular, que faz, por exemplo, uma alíquota sair de 17,00% para 20,16% (17% elevado a 17% = 1,17 elevado a 1,17), ou seja, pagamos 3,16% de ICMS a mais a cada compra que fazemos, pelo menos. Se 18%, você está pagando 21,57% ou seja, 3,56% a mais em cada compra. Imagine isso sobre toda a cadeia produtiva!

• O ISS (Imposto sobre Serviços) também incidem sobre o Pis e a Cofins. Embora aqui os efeitos pareçam menores (seriam por exemplo 5% sobre 9,25%, ou 0,46%), os efeitos financeiros são parecidos, pois sobre o ISS não existem créditos, o que tem um impacto direto em toda a cadeia da prestação de serviços.

O pior não parece ser o efeito deste julgamento, mas a mensagem que passa ao fisco e à sociedade: roube o contribuinte, espere o contribuinte gastar milhões em honorários de advogados, entupa o sistema judiciário de ações, e depois de tudo, quando vier a mim, eu considero a coisa só “parcialmente incorreta” e deixo você com o produto do roubo daqueles que não têm condições de pagar advogados ou que esperaram os “cachorros grandes” se digladiar nos tribunais para depois tentar reaver o que perderam.

A mensagem é que o crime estatal compensa. Que é possível elevar a carga tributária – já absurda – com fundamentos iníquos, pois que nossos Supremos são capazes de interpretar a lei de forma a atingir um “bem maior” que é preservar o Estado em sua capacidade de continuar sendo um peso sobre a sociedade. A alegação sempre é a de que “o estado quebra, se decidirmos contra ele”. 

O estado quebra quando sabe que pode ficar cada vez maior, na força da canetada e da fiscalização, justificando uma burocracia cada vez maior, e colocando nas costas do empresário a pecha de “sonegador”, para delírio da esquerda, que olha os montantes de “débitos” de contribuintes como sendo coisa líquida e certa, em vez de chumbo trocado com uma autoridade que não se contenta em cumprir a lei, mas que avança sobre a riqueza que gera riqueza – o lucro suado do empreendedor.

Voltando ao início – a César o que é de César, disse Jesus, e isso ficou retratado em nada menos do que três, dos quatro Evangelhos. Ou seja, na época os evangelistas consideraram importante destacar nosso dever de pagar tributos. Ninguém faz isso de bom grado, senão “imposto” não seria, platitude sempre verdadeira. No entanto, César avança sobre o que não é de César, e nós, impotentes, assistimos isso vez após vez. A proverbial palha que quebrou as costas do camelo está prestes a ser vista, uma vez mais, na nossa sociedade.

Escrito por: Wesley Figueira – Managing Partner