Hoje, 11 de Junho de 2019, de manhã, assistindo ao Bom Dia Brasil, vejo perplexo uma reportagem que dá conta de que entre 2010 e 2018 o estágio no Brasil teve um comportamento ruim, com impactos terríveis na formação de profissionais e na qualidade do emprego, no aprendizado e acesso ao estágio formativo.

Um especialista culpa uma palavra de “cinco letras – CRISE”[1] para definir o que houve. Nem uma só palavra sobre a Lei 11.788 de 25 de setembro de 2008. Essa pérola de “proteção” já tinha sido predita por analistas econômicos como uma bomba para o estágio. Entre as “bondades” inseridas nela:

·        Carga Horária Máxima de 6 horas diárias (antes era carga horária normal de 8 horas);

·        Férias Remuneradas obrigatórias;

·        Máximo de 2 anos como estagiário num mesmo local;

Tudo isso acima no meio de outras ‘bondades’, como a criação de uma proporção mínima de estagiários para o total de empregados contratados. “Se a legislação fosse seguida” – diz o repórter – o número de estagiários cresceria exponencialmente, dos atuais 2% para algo entre 10 a 15%, pela lei.

Por outro lado, reconheceu, em caráter oficial, que “estágio não é emprego”, ou seja, estagiário não tem direito a reconhecimento de vínculo empregatício, o que vinha sendo concedido pela justiça do trabalho em diversas instâncias e locais, para espanto e horror de empresários nacionais e estrangeiros.

Saudada como “uma evolução na política pública de emprego para jovens no Brasil, ao reconhecer o estágio como um vínculo educativo-profissionalizante, supervisionado e desenvolvido como parte do projeto pedagógico e do itinerário formativo do educando.[2], essa ‘maravilhosa’ legislação teve o papel de ajudar a destroçar o estágio no país. Lembre-se que estágio normalmente deveria aumentar em tempos de crise, não diminuir. Já em artigo sobre o programa “Primeiro Emprego”, que veio logo antes da Lei 11.788, em artigo sobre o assunto já dizíamos como desde então o Prof. José Pastore já informava dos efeitos negativos da regulamentação sobre o estágio e a formação de empregos. Dito e feito.

Assim, e como decorrência de dessa Lei, e desde que a lei entrou em vigor:

·        Número de estagiários dobrou, de 186 mil para 386 mil entre 2010 a 2017;

·        Proporção de quem recebeu Bolsa Auxílio caiu de 60,7% em 2010 para 58,7%

·        Valor da Bolsa caiu de R$ 883 para R$ 850, mesmo com uma inflação média entre Setembro de 2008 e Maio de 2019 de 82,44% (IPCA-FGV). Ou seja, a Bolsa Auxílio média hoje deveria ser de R$ 1.610,00, que, de fato, é um valor parecido com o que é pago pelas grandes empresas para os estagiários que lhes são “indispensáveis” – e esses, existem.

Em síntese houve o que analistas de viés “progressista” costumam chamar de “precarização” do estágio, algo que, certamente, era bastante previsível desde o início, a ponto de uma quase nulidade como eu mesmo ter me apercebido disso, por já à época conceder estágios e, após estágio, ter a ousadia de contratar o cidadão sobre o qual investíramos uma boa grana.

O que mais intriga minha cabeça é o fato de que a reportagem sequer mencionou os possíveis efeitos da Lei 11.788. Nada. Zero. É como se tudo tivesse seguido como era antes. E como era antes?

Desde que o mundo é mundo pais agarram seus filhos pelo colarinho e os levam a um aprendizado – seja numa atividade própria, seja através de um colega de outra “guilda” e profissão. Cada filho sabia que ou seguiria a carreira do pai ou outra, escolhida por ele. Se entrava para a Igreja ou se ia ser militar, também era uma imposição, na maioria das vezes.

Muitas vezes era uma relação de “semi-servidão”, ou mais progressistas poderiam dizer. E de fato, em muitos casos, era – e a quantidade de filhos produzidos servia não apenas para aumentar as chances dos que “vingariam”, mas de aumentar o número de braços que serviria para manter a família acima da linha da fome.

Com o advento da Revolução Industrial, na visão de muitos, houve um retrocesso ainda maior, com indústrias empregando crianças com funções de adultos, num processo de “servidão”, quase pura e simples – há diversos exemplos tanto bons quanto ruins, nesta revolução que acabou por dar o maior impulso à qualidade de vida e relações de trabalho da história do mundo. A linha divisória entre aprendizes e profissionais era bastante borrada e praticamente deixava a criança/jovem à mercê das exigências de quem os empregava.

Esta evolução, natural, da qualidade dos relacionamentos intra e extrafamiliares, a redução do número de filhos por mulher, acompanhada da maior qualidade dos empregos e a exigência de educação formal para crianças nos levou a um patamar, tanto de civilização quanto de aprendizado que, nos anos do pós-guerra em diante desaguou em um processo mais ordenado na relação empresa-aprendiz.

Uma teoria sociológica sobre a qual li e não consigo lembrar o nome dá conta de que quando um problema chega ao ponto de efetivamente incomodar a sociedade, significa que seus reais efeitos sobre a esta sociedade já estão em declínio. Alguns exemplos disso são bem claros, como por exemplo a grita constante por direitos de minorias, cuja efetividade e eco na sociedade só se dá porque tais minorias já detêm os “direitos” de reinvidicação que implicam, necessariamente, em que já houve melhora em seu status quo, ou ainda sobre o trabalho escravo, cujo problema começou a ser solucionado há mais de 100 anos, mas que agora, com a liberdade individual garantida para todos, qualquer redução ou restrição a esta liberdade provoca mais gritaria do que no tempo da escravidão quando esta era tida por “parte da vida”.

Da mesma forma, a sociedade, através do governo Lula, interveio e criou regras para um problema já em franco declínio, servindo, contrario sensu, para precarizar as relações antes equilibradas pela oferta e procura pura e simples de estágios, remunerados ou não.

Ao longo desses anos, e nunca desprezando o efeito devastador da crise auto-inflingida, a Lei 11.788 criou “artificialismos” na relação empregador e aprendizes, criando obrigações, regras e principalmente custos que acabam por dificultar o acesso de jovens motivados ao mercado de trabalho.

O mesmo se dá em qualquer relação na qual o Estado, em vez de buscar simplificar e deixar que as relações evoluam naturalmente (desde que a Constituição seja respeitada em todos os seus aspectos), busca se meter e criar situações complexas, com o frequente objetivo de tornar o cidadão cada vez mais dependente de regras para viver. É como a Rússia pós-comunismo (ou uma situação que vivi de perto, na Romênia pós-Nicolae Ceaucescu) em que as pessoas não sabiam o que fazer porque não havia ninguém para lhes dizer o que fazer. Os resultados são os esperamos – imobilismo, miséria, fome, para com o tempo e livre de amarras do planejamento central, vermos esses povos melhorar em suas relações diárias e prosperar (mais o caso da Romênia – que se tornou mais democrática).

Assim, como os diversos exemplos acima:

        – O problema foi “atacado” depois de já equacionado e em declínio;

        – A criação de regras como o limite de 6 horas de estágio é a REAL responsável pela queda no valor médio da Bolsa-Auxílio – não a crise. De 8 horas para 6 Horas temos 25% de redução;

– A exigência de pagamento de férias “agrega” mais 1/12 (8% aproximadamente) ao peso de contratar estagiários.

Somente a partir das considerações acima é que se pode calcular a real queda no valor da Bolsa – com um custo agregado de cerca de uns 33%, a bolsa atual poderia ser (com os efeitos nocivos da crise) de R$ 1.130, que ainda estaria distante dos R$ 1.610 corrigidos. Some-se a isso a restrição que ter uma pessoa por período limitado de 24 meses, sem possibilidade de renovação (as faculdades duram na média 4,5 anos e muita gente quer estagiar desde o primeiro ano), e temos o prato para contratação menor, e, por consequência, menor valor de Bolsa. Mais do que isso, a nova CLT, em vigor desde 11 de novembro de 2017, flexibilizou a contratação de empregados em folha de pagamento e temporários, o que “precariza” ainda mais o estágio, se é que pode-se dizer isso (algum “estágio” pode ter migrado para trabalho temporário ou mesmo contratação direta).

Em síntese, tudo o que é artificialmente lançado na cara da sociedade tem o condão de criar problemas. Está certo o Governo atual quando diz que precisamos de menos Estado, mais facilidade de fazer negócios, mais flexibilidade para empreender e arriscar o pescoço/capital em projetos que podem nos tornar ricos… ou imensamente quebrados…

[1] Davi Szjisberstajn, USP

[2] https://www.estagiarios.com/noticias_view.asp?id=59

Wesley Montechiari Figueira                                                                        Managing Partner | VBR – ValuConcept Brasil