Como pontuado recentemente pelo Prof. Eliseu Martins da FEAUSP, o COVID-19 é uma tremenda dor de cabeça para auditores e contadores, devido ao nível sem precedentes de incertezas que colocam sobre os números de balanço. Na sexta-feira, dia 15/05 demos de cara com o balanço da Petrobrás, que aponta para um prejuízo de R$ 48,5 bilhões, devido a um ajuste contábil (baixa por impairment) de R$ 65 bilhões, aproximadamente, por conta da perda de valor por redução de expectativa de geração de caixa advinda de campos petrolíferos. Tudo por conta da crise atual e suas incertezas. Ou seja, em um mundo “normal” a Petrobrás teria apresentado um lucro de mais ou menos R$ 16,8 bilhões.

Pois bem, a questão que se apresenta aos auditores é de natureza muito mais filosófica do que técnica, como a vemos. Ninguém em sã consciência julgaria o valor da Petrobrás pelos efeitos de um “ato de Deus”, como dizem as apólices de seguro. Um patrimônio líquido deve ser julgado pela performance prevista para o mais longo dos prazos, deixando as análises de curtíssimo prazo para os players das Bolsas de Valores. Ao contador e ao auditor cabe julgar essa perda neste momento? Baseada especificamente em que? A técnica existente se presta ao julgamento imposto a nós pelo COVID-19?

A interpretação dos efeitos do COVID-19 sobre os balanços deve ser julgada caso a caso, como bem discutido informalmente em reunião de ontem do Comitê de Auditoria do CRC do Paraná. Os efeitos podem variar de muito negativos até super positivos, em caso de alguns setores não afetados pela pandemia. Mas mesmo julgando caso a caso, existe, para nós, a percepção de que não existe na literatura técnica nem na experiência histórica, um caso em que o nível de incerteza seja tão alto a ponto de retirar do profissional contábil a capacidade de julgamento de efeitos que podem advir daí.

Diante dessa incerteza, a impressão que nos dá é que os auditores estão agindo mais ou menos como as agências de risco durante a crise do Subprime de 2007: reativamente, e de forma exagerada, diante da cobrança da sociedade por respostas, mais precisamente, por respostas que não existem, exceto no nível da discussão filosófica.

Por que, então, penalizar um balanço por conta de algo que na prática não se sabe onde vai parar? Aplicar as técnicas usuais de Impairment para fins de precificar ativos no meio de uma “guerra” como esta é algo admissível? Ou será que deveríamos sentar, respirar fundo, e simplesmente admitir que o máximo que se pode fazer é colocar uma nota explicativa no balanço informando detalhadamente as ações que foram postas em marcha para preservar o caixa e a sobrevivência da Empresa, as expectativas, tão conservadoras quanto possível, sobre o caixa futuro, e deixar de propor ajustes, aqui e acolá, por conta de algo que na prática não se tem previsão?

Não discutimos aqui a técnica ou a validade dos ajustes por impairment propostos para a Petrobrás. Estou certo de que seus contadores e auditores foram diligentes o suficiente para sugerir o que propuseram. A discussão é maior do que essa. Trata-se de entender o momento e aceitar que simplesmente não é possível mensurar efeitos e lança-los nas Demonstrações Contábeis, mas apenas reconhecer o que está sendo feito para minorar os efeitos do momento econômico-social, e enfrentar um Parágrafo de Ênfase, ou mesmo uma Ressalva por parte dos auditores, reconhecendo o incômodo do momento, o fato de que, sim, pode haver uma disrupção de caixa, e deixar os números para serem ajustados quando um mínimo de previsibilidade exista no mercado.

O mesmo fenômeno está acontecendo com as agências de rating, mundo afora. De fato, poucas atividades têm perdido mais relevância, na nossa opinião, do que essa, por conta das reações tardias, às vezes benevolentes com quem não merece, às vezes negativas com quem mereceria mais entendimento. Rebaixar nota de crédito de uma empresa ou um país diante disso é possível, analisável e esclarecedor. O que não acontece é justamente o uso de um peso agora, aplicável a todos, a fim de determinar “o novo normal”. Afinal, se eu encolhi de 1,80m para 1,78m e você de 1,90m para 1,88m, eu continuo 10 cm mais baixo do que você. Esse julgamento é tão complexo e demanda tanto esforço num tempo tão curto, que se torna impossível determinar a assertividade disso.

Tanto o auditor quanto o analista de risco estão “entre a cruz e a espada”. Precisam dar à sociedade algum tipo de resposta, quando na prática, a melhor resposta que poderia ser dada neste momento turbulento é assumir que não é possível julgar, pelo menos não agora.

Escrito por Wesley Figueira – Managing Partner