É sempre a mesma história. Em qualquer lugar do mundo, em qualquer tipo de economia, mais aberta, mais fechada, sempre que se tenta mexer nas regras da aposentadoria, mexe-se num vespeiro.

No Brasil, de todos os lugares do mundo, não seria diferente. Aliás, numa era em que qualquer um emite opinião sobre qualquer assunto, com ares professorais, o Brasil certamente liderará esse movimento do “pronto falei”, ou seja, “falei, não importa se certo ou errado, nem as repercussões”. Falei porque sou brasileiro, e gosto de falar. Porque sou especialista em qualquer coisa. E quando não o sou, estou sempre disposto a lançar mão de qualquer coisa que tenha ouvido, a meias ou não, desde que a favor do meu discurso. Lula parece ter elevado esse esporte nacional à categoria de pódio olímpico, quando, na França, ao lado de ninguém menos que Jaime Lerner, falou que no Brasil haviam 60 milhões de pessoas vivendo nas ruas (depois riu-se disso – ora, como esses gringos são bobos, de acreditar nisso). E o Lerner tentando o óbvio – chamar atenção do grande líder da esquerda para o fato de que 60 milhões de pessoas nas ruas significa que nem os carros passariam nas avenidas, de qualquer bitola…

Agora, o tal esporte nacional volta suas baterias para a reforma da previdência. Abaixo um excerto de uma publicação veiculada (de 2ª., 3ª. ou milésima mão) e que me chegou às mãos. De antemão peço desculpas ao citado como autor, caso suas ideias ou palavras tenham sido deturpadas ou mesmo mutiladas:

“A nossa previdência!

#contrareformaprevidênciária

calculando… Vamos ver se a Previdência é realmente deficitária, vejamos:

  • Salário mensal………..R$ 880,00
  • Contribuição INSS…..R$ 176,00

(patronal e empregado)

Aposentadoria Integral

35 anos = 420 meses

*Pegando a contribuição mensal de R$ 176,00 e aplicando-se o rendimento da poupança de 0,68% Totaliza R$ 422.784,02. Considerando-se a expectativa de vida em 75, e que em média o brasileiro se aposenta com 60 anos somente receberá a aposentadoria por 15 anos, porem o montante acumulado é suficiente para pagar 40 anos e 3 meses de salário equivalente a contribuição ou seja, segundo o cálculo feito 880,00 mensal, sem contar rendimentos.

???????? O trabalhador receberá de volta do governo R$ 158.400,00 no total, ou seja, 37,5% daquilo que lhe foi tomado pelo governo.

Engraçado que não vejo ninguém reclamando, resumindo:

???? Trabalhador PAGA  R$ 422.784,02

Trabalhador RECEBE  R$ 158.400,00

???? Que negócio, não? Agora aumentando para  49 anos o trabalhador acumulará,

R$ 1.365.846,02 e receberá menos, pois terá menos mais tempo de  contribuição e menos de gozo da aposentadoria. Esses cálculos foram feitos pelo cientista político Itamar Portiolli de Oliveira, são reais e facilmente constatado em uma planilha, não são dados fictícios. Quem pode compartilhar pra ajudar a chegar em um todo o Brasil?

Vamos a luta !! Não vamos deixar isso acontecer, vamos reclamar.!!”

 

Muito bem. É um cálculo que por um lado está subestimado, visto que 20% sobre um salário mínimo é menos do que de fato contribuem empresas e empregados, juntos. Isso dá mais – cerca de 28%, fora os custos com SAT (Seguro Acidentes de Trabalho), Sistema “S” (Senai, Sesc, Sesi, Senat, etc). Ou seja, pela ótica acima a coisa é ainda mais feia.

Respondi ao post no Facebook com as seguintes palavras:

“Ora bolas. Essa conta é fácil fazer. O que o “1mb3c1l” acima esqueceu de calcular é o custo de carregamento de vários, milhões de pessoas que ingressam no sistema sem pagar nada (lavradores oriundos do Funrural, e funcionários públicos, que nem de longe contribuem com a mesma quantia) e a expectativa de contribuições crescentes futuras. Obviamente que nem vou entrar na principal consideração, que é o CÁLCULO ATUARIAL, que deve refletir justamente isso, o custo de carregamento passado e expectativa futura. De novo, repito, serei prejudicado pela nova regra. Apenas não sou tão intelectualmente tapado a ponto de não enxergar o óbvio…”.

Pedi ainda ao autor do post para fazer um artigo, e que ele pudesse divulgar. Bem, aqui está.

Há dois sistemas básicos para permitir uma aposentadoria:

Distributivo – Quando se recolhe contribuições de todos e distribui-se a todos, de formas que quem recolhe mais acaba ajudando a quem recolhe menos, melhorando o nível da aposentadoria de todos (por uma média um tantinho melhor);

Acumulativo – Cada um por si – ou seja, não importa se por meio de planos de previdência privada ou mesmo pé-de-meia privado, o sujeito toma conta de si.

O primeiro sistema é o que vigora na maioria dos países europeus, e de resto, no mundo todo. O segundo sistema é mais comum em países como EUA, ou mesmo no vizinho Chile, que mudou o sistema há tempos. A Argentina tinha caminhado no sentido do sistema acumulativo, até que o governo, ao ver o montante de dinheiro amealhado pelos fundos privados de pensão, meteu a mão em tudo e retornou tudo ao sistema distributivo.

Particularmente creio que o ideal é um sistema acumulativo, para países mais desenvolvidos, e distributivo, para países em desenvolvimento. Obviamente, se todos pudessem ter um sistema acumulativo, melhor seria – cada um toma conta de si, e “quem não trabalha, também não coma”.¹

É importante, porém refletir que os diferentes estágios de uma sociedade implicam em um mínimo de distribuição “forçada” de renda. Embora sendo frontalmente contra políticas como programas de renda mínima, tipo bolsa família (fonte, basicamente, de acomodação, a longo prazo, em boa parte dos casos). Que então, essa redistribuição se dê entre quem de fato não poderá trabalhar nunca mais – os mais idosos.

Num sistema distributivo, como o nosso, a lógica não se baseia no exemplo acima, que é claramente um exemplo que cabe bastante bem no sistema acumulativo. Eu mesmo, já poderia ter me aposentado com o mesmo estilo de vida que luto para manter hoje, se tudo o que foi contribuído por mim e pelas empresas para as quais trabalhei desde 17 anos de idade, tivesse sido depositado numa miserável caderneta de poupança, como no exemplo acima.

 

Sobre isso, vide interessantes comentários em Provérbios 21:25, “O desejo do preguiçoso o mata; porque as suas mãos recusam-se a trabalhar” ou ainda Provérbios 6:6, “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso, considera os seus caminhos, e sê sábio” e tantos outros…)

 

É deste erro que parte tudo – usar o modelo distributivo para justificar o fato de que “a previdência dá lucro”, e que “é impossível que tenha déficit”. Vamos a alguns elementos que foram perdidos ou deixados de lado, propositalmente ou não, na exposição acima:

  • Disparidades de contribuições e benefícios entre setor público e privado – é clara a disparidade entre o que contribui um funcionário público e um funcionário da iniciativa privada para a previdência – a regra mostrada acima, com a imperfeição notada – é a que vige no setor privado. Como exemplo, o setor público retém dos seus funcionários:
    • 11% sobre um teto de R$ 4.390,24. Considerando que pouca gente no serviço público ganha isso, e considerando a média de R$ 8.5 mil, o valor contribuído pelo servidor é de aproximadamente 5.7%;
    • O “empregador”, em sendo o próprio Estado Brasileiro, não efetua qualquer retenção já que, no limite, será o responsável pelo pagamento do mesmo…

Observe-se ainda que o benefício máximo auferido pelo empregado da iniciativa privada é de R$ 5.189,82. No caso do servidor público inativo, os 11% se aplicam sobre o montante que COMEÇA neste teto. Em síntese, há uma assincronia entre o que ocorre com a iniciativa privada e as aposentadorias do poder público;

  • INSS como órgão gestor tanto da previdência social como da saúde e do SAT – Seguro de Acidentes de Trabalho – as funções da Previdência vão além do mero controle, recebimentos e pagamentos de benefícios. A responsabilidade da previdência estende-se aos benefícios oriundos de inatividade por doença, incapacitação para o trabalho, em geral, apenas para citar algumas. Tudo isto entra na conta;

 

  • O Custo da própria estrutura da Previdência – aqui, deixemos de lado sectarismos e reconheçamos o custo desproporcional entre os benefícios pagos pela previdência e geridos por ela e o custo da própria estrutura da Previdência e Assistência Social. O nível de burocracia e desperdícios de tempo e recursos da população para manutenção do sistema, por si sós, devem consumir uma parte significativa de tudo o que é arrecadado;

 

  • O custo dos segurados não contribuintes – Apenas para mencionar o exemplo que dei no meu post, trabalhadores oriundos do antigo Funrural nunca contribuíram com um centavo sequer para o INSS, mas durante anos receberam benefícios. Isso para ficar num único exemplo. Filhas “solteiras” de oficiais generais da reserva, falecidos, são outro exemplo de benefícios pagos e que extrapolam a própria vida útil do contribuinte. São exemplos que isoladamente não parecem grande coisa, mas que ao longo dos anos tiveram grande impacto.

 

  • Envelhecimento da População – Nem é preciso falar muito sobre isso. Quando a CLT foi criada, a expectativa média de vida da população era de aproximadamente 55 anos. Hoje, chega a quase 80 para mulheres e 76 para homens.

 

Em exemplo que sumariza alguns aspectos acima, e que acontece debaixo dos meus olhos – o avô da minha esposa foi lavrador por boa parte da vida, e se aposentou pelo antigo Funrural, aproximadamente aos 60 anos. Ele hoje tem 94 anos de idade, está feliz e saudável (o pai dele viveu até os 102 anos!). Ele se enquadra em pelo menos três aspectos do fenômeno acima. Num sistema de previdência distributiva, é justo que ele receba esse salário mínimo mensal. O que não se pode esquecer é que isso cobra um preço geral sobre o sistema previdenciário nacional. Esse preço só aumenta.

O somatório dos efeitos acima é capturado através de cálculos atuariais. São equações matemáticas complexíssimas e que informam para onde irá a massa de pagamentos e o fluxo de recebimentos. Esses cálculos afetam muito o déficit (que “não existe”). Hoje, esses cálculos apontam para um iceberg enorme, na nossa proa – apenas ainda não visível a olho nu.

Não se trata de achar que o governo atual é bonzinho ou mauzinho. Dizer que o político fulano ou cicrano se aposentou com 50 anos de idade não resolve o problema. Obviamente que se se aposentou, a regra (erradamente, a meu ver) permitia. Vamos separar o que é antipatia com os homens do poder (compartilho dela, na maioria dos casos) com um fato inescapável e que precisa ser endereçado.

Em síntese, Previdência é como um enorme Transatlântico – é pesado e difícil de manobrar. Tem-se que pensar muito, e fazer os cálculos e ajustes com muita antecedência, antes de que qualquer mudança tenha efeito desejado. Hoje, vivemos os efeitos do que aconteceu há 29 anos (principalmente as benesses da Constituição de 1988). Daqui há outros 29 anos viveremos dos efeitos do que estamos plantando agora. Portanto, deixemos o simplismo de lado, deixemos as paixões da esquerda e da direita, e sejamos pragmáticos.

 

Wesley Montechiari Figueira
Managing Partner | VBR Brasil